Em meio ao reajuste anual das passagens de ônibus urbano em todo o país, a insatisfação com a qualidade do serviço volta à tona com toda a força. E a dialética do aumento da tarifa versus a melhoria do transporte segue sem solução, até porque a resposta à legítima reivindicação da sociedade passa por questões que estão além do valor das passagens.
O setor de transporte público por ônibus alerta para a importância do cumprimento dos acordos firmados com o poder público, o que inclui os reajustes necessários para o equilíbrio financeiro dos contratos e a manutenção do serviço. Mas reconhece o esgotamento do atual modelo de transporte sustentado pela tarifa, no qual o passageiro arca sozinho com os custos do serviço, incluindo o valor de gratuidades e outros benefícios tarifários concedidos sem a previsão de fontes específicas de recursos.
Pesquisa Mobilidade da População Urbana 2017, da Confederação Nacional do Transporte (CNT) e Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), revela que a redução do valor da tarifa é a principal condição apontada por 62,9% dos entrevistados que deixaram de usar ônibus para retornar ao transporte coletivo.
Nenhum país que oferece transporte de qualidade, como Canadá, França e outros, tem modelo igual ao brasileiro, no qual o passageiro pagante arca com todos os custos. Transporte de qualidade é caro e depende de um modelo de financiamento que não onere quem mais precisa dele.
A questão do reajuste tarifário de coletivos urbanos é a ponta do iceberg. Há uma situação muito mais grave, que permeia a degradação do serviço e precisa ser discutida abertamente, com a participação da sociedade e de entes públicos. Reajustar tarifas é necessário no atual contexto para corrigir os custos da operação, mas não melhora a qualidade do serviço. Isso ocorre porque só o valor decorrente das passagens não é suficiente para cobrir todos os investimentos que um transporte eficiente requer.
Há alguns anos o setor vem propondo políticas públicas que priorizem o transporte público. A proposta passa por um novo método de cálculo das tarifas, redução de incentivos ao transporte individual e adoção de iniciativas para devolver a velocidade ao coletivo nas vias, reduzir o tempo das viagens e reconquistar a confiança do passageiro, a um custo acessível.
O investimento em medidas de prioridade exige linhas de financiamento permanentes para a infraestrutura e alocação contínua de verbas do governo federal como parte do Orçamento Geral da União.
O transporte coletivo de qualidade traz benefícios que extrapolam a redução do preço das passagens. Prevê deslocamentos feitos de forma racional, acessível, segura, eficiente e minimiza os níveis de poluição ambiental. Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), um ônibus levando 45 passageiros sentados polui 80% menos por usuário que um automóvel em sua situação normal, que transporta 1,3 passageiro por veículo em média.
Para que o Brasil alcance a excelência no sistema de transporte público é preciso planejar e organizar a ocupação das cidades, com a estruturação de sistemas de transporte que funcionem de forma integrada, multimodal e tenham papel central no desenvolvimento urbano. Tudo isso pode ser concretizado a médio e longo prazo, mas é preciso que haja um pacto social, o compromisso formal do poder público e setor privado para rever o modelo de financiamento baseado fundamentalmente na tarifa e adotar as medidas de prioridade.
Quanto mais espaço viário dedicado aos ônibus, menor será a ineficiência de toda a mobilidade urbana. O caso de São Paulo-SP é um exemplo disso. As faixas exclusivas implantadas em 2015 e 2016 melhoraram não só a vida de usuários dos coletivos, como também contribuíram para que o tráfego ficasse menos caótico. O desafio está posto às lideranças políticas atuais e às que visam as próximas eleições.
Otávio Vieira da Cunha Filho
Presidente executivo da NTU – Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos